De Benguela para a Gabela…
O fim de semana prolongado da Páscoa, precedido de um compromisso profissional em Benguela, foi aproveitado para nova incursão naquelas paragens e, no regresso, uma visita à Gabela, a terra dos cafezais que, segundo informação espúria, estariam em período de floração.
As flores já se tinham transformado em pequenos bagos verdes, não imediatamente visíveis aos olhos de quem não conhece o arbusto cafezeiro, de modo que após minuciosa busca lá se percebeu que estávamos em presença de vastas plantações de café, de um e de outro lado da estrada. O mar verde de onde se erguiam imbondeiros, bananeiras, e um nunca mais acabar de troncos, ramos e folhas numa algazarra de passarada, flores garridas e frutos “desconhecidos” – a diversidade não aproveita à ignorância de visitantes bio-analfabetos - era afinal o demandado cafezal. A estrada da Gabela é um espécie de pesponto ziguezagueante na vastidão da paisagem verdejante, espampanante no exagero de tons e viços, espelhada no azul prateado do rio que se esgueira por palmares e lagoas, e onde aqui e ali se arredondam aldeias de cubatas e de adobes. Estas, como as da vila, de casas vermelhas da cor da terra, colmadas ou com telhado de zinco, encarrapitadas nos morros em cascata, assim a lembrar o presépio, humildes na singeleza dos cómodos e dos haveres. Maravilha para quem vê, é um espanto, dureza para quem lá vive, dá que pensar, mas que não se adivinha no vaivém colorido das gentes e na garridice da catraiada. Dir-se-ia que de tão pouco ter esta gente com pouco se contenta, e se entrega em perfeita harmonia ao brilho da luz , apesar do sol inclemente, que se derrama nas cores cálidas da mãe natureza, ela que a todos se impõe e tudo domina. Enfim, a visão romântica do passante, bem acantonado no ar condicionado, que no devaneio da miragem se escusa a pensar nas endemias e apêndice de enfermidades e escassezes que determinam vidas desprotegidas e mortes prematuras. Beleza e ironia….
A meio caminho, paragem nas cachoeiras do Sumbe, imponente espectáculo natural de luz e som, grossas cortinas cantantes de água a esfumear brancura no verde do entorno recortado no céu azul pintalgado de farrapos de nuvens, e o rio segue lesto a reverberar dourados na manhã soalheira. Ali perto uma aldeia, e o formigueiro do mercado de rua , cabanas e casas de pau-a-pique, outras mais de alvenaria, porém esconsas, perene o abandono das gentes que se afadigam no frenesim de acrescentar às vidas minguadas o pão-nosso-de-cada-dia.
Benguela, a cidade das acácias rubras, continua esbelta e mal trajada. Belas vivendas do período colonial, à vista bem restauradas, bordejam amplas avenidas, boas enfiaduras, junto à zona ribeirinha, onde um passeio marítimo a pedir restauro, salvo no pedaço ocupado por restaurantes e esplanadas, tal como os edifícios, os passeios e os jardins de boa parte da cidade reclamam intervenção urgente. E então Benguela será a bela.
Uma volta pela costa, nos arredores da cidade, levam-nos à linda praia da Baía Azul, enfeitada de árvorezitas de rendilhada folhagem, extenso areal perlado de conchas e pequenos búzios onde um mar canelado, esticadinho, azul e verde desenha bicos de espuma branca. Tudo é luz, cor e serenidade apenas agitada pelo pipiar dos pássaros em revoada. Adiante, picada fora na vastidão do festival de verdes da paisagem, assoma-se à aldeia, paupérrima, e porto de pesca da Caota, com destino à Caotinha, pequeno promontório debruçado sobre uma extensão de mar de crépon azul e esmeraldado a perder de vista. E a vista perde-se em deleites de lavar-olhos-e-enxaguar-alma. Num repente, enxameiam os meninos da aldeia dos pescadores, olhitos fosforescentes na lengalenga da pedinchice suscitada pela presença de estranhos, estrangeiros, entretém de graúdos e pequenada num lugar onde não acontece nada. Na desvairada beleza da natureza selvagem e dominadora. Só a pobreza das gentes mora aqui.
Luanda, 16 Abril 2009
terça-feira, 28 de abril de 2009
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