O novo livro de Arlindo Barbeitos
Quatrocentas páginas que revisitam os quase cinco séculos de presença portuguesa em Angola
Faltam uns bons meses para ano terminar, mas a publicação do novo livro de Arlindo Barbeitos, pelas edições L’harmattan é já um dos seus acontecimentos culturais mais significativos. “Angola/Portugal: des identités coloniales équivoques. Historicité des représentations de soi et d’autrui” (Paris, 2009) é, muito ao estilo décimonónico, o seu título.
Tem quatrocentas e quarenta e uma páginas, mais de mil notas de rodapé, cinco capítulos e nele, o autor faz uma análise exaustiva de quatrocentos anos da história de Angola. Através de várias personalidades (António de Oliveira de Cadornega, Silva Correia, Oliveira Martins, Heli Chatelain, Norton de Matos, entre muitos outros), detendo o seu olhar em dois actores principais ( O indígena e o colonizador), abordando o feitio e as manifestações do colonialismo português, e a importância que ele atribui as noções de “raça” e de “etnia” e, sobretudo, apoiando-se na bibliografia mais séria publicada em português, espanhol, francês, alemão e inglês, o autor esquadrinha as representações que os portugueses, na Europa e em Angola, fizeram dos negros e dos mestiços, mas também a imagem que os portugueses fazem de si mesmos.
Ainda que de uma maneira diferente, faz tempo que as modalidades de dominação preocupam Arlindo Barbeitos. A publicação há três anos do seu breve ensaio « Sociedade, Estado : Sociedade civil, cidadão e identidade em Angola “(UEA.Luanda, 2006), assim o testemunha. Nele, o autor defende a emersão de uma sociedade civil mais forte e capaz de actuar, também, como sociedade politica, a transferência da questão identitária para a esfera privada e questiona o Estado jacobino, autoritário e rigidamente unitário como um único paradigma possivel em Angola. Entretanto, o último livro de Arlindo Barbeitos aparece num momento em que, ainda subexistem sequelas produzidas pela posição que os mestiços ocupavam na escala do Estado colonial e pelo colaboracionismo de alguns destes em detrimento dos autóctones.
Tal facto, tem provocado ainda alguma resistência dos poderes públicos, de certos segmentos da opinião e do consciente colectivo, em assumir que a mestiçagem e o mestiço, enfim, que a cultura luso-angolana é um dos troncos da nossa actual identidade, que deve ser visto e assumido como qualquer outro, sem favoritismos mas também sem nenhum sentido pejorativo. O autor Natural de Icolo e Bengo, proveniente de uma familia predominantemente mestiça, Arlindo Barbeitos fez os seus estudos primários e secundários em Angola e Portugal, formou-se em Antropologia e História de África, na Alemanha, na França e em Portugal.
Antigo guerrilheiro, mas sempre professor, do Maqui à Universidade Católica de Angola, passando pela Universidade Agostinho Neto. Como ele próprio admite a história da sua vida une-se a história da sua pesquisa, mas dizemos nós, a transcende para desmontá-la com frontalidade.
A obra Nos cinco capitulos do livro, Arlindo Barbeitos faz uma revisão de inúmeras fontes (crónicas históricas, jornais, relatos de viagem, livros de memórias, obras literárias e cientificas, bem como da tradição oral), e estrutura com um estilo circular que admite, “impregnado das técnicas orais de exposição”, um diálogo constante com uma pléiade écléctica de autores de Max Weber, passando pelas principais figuras da Escola de Frankfurt, Michel Foucault, Valentin Mudimbe, Eduardo Lourenço, Edward Said, Pierre Bourdieu, Norbert Elias, Cornelius Castoriadis, Edgar Morin, Peter Gay até Hannah Arendt.
No primeiro capítulo, o autor parte dos relatos de Cadornega e Silva Correia, para chamar atenção das “relações de colaboração e de conflito entre estrangeiros e nativos” e sublinhar, por um lado, a incapacidade de vários cientistas ocidentais a examinar os mestiços inseridos nas diversas fases da colonização. Por outro, acusa-lhes de “projectar nos mestiços, em razão de uma concepção estetizante e biologizante do homem, os seus fantasmas, nascidos do seu próprio complexo de culpabilidade para com os negros e de fabricá-los, desta maneira, uma imagem irreal, muito ambigua e que se presta facilmente a utilizar como bode expiatório” (Págs:11/12).
O segundo capítulo está escrito, essencialmente, à volta da vida e obra de Oliveira Martins. No terceiro capítulo, a vida e obra de Héli Chatelain serve para “explicar o papel excepcional desempenhado pela igreja cristã na transformação sócio-cultural dos indígenas” (Pág:12).
No quarto capítulo, partindo da imagem do corpo, ele tenta provar que “a racialização do imaginário, ou sobretudo, a passagem do racismo cientifico ao racismo popular, com as trocas de sentido da acção social que isto comportou, causaram uma clivagem nefasta entre negros e mestiços (...). Utilizando o exemplo do intelectual angolano Cordeiro da Matta, que era suposto criar uma literatura em lingua kimbundu, ele chama a atenção – num espaço complexo e multiforme, sobre os limites e o perigo de uma visão baseada de nacionalismos exclusivistas e frequentemente agressivos” (Pág: 13).
No quinto capítulo, o autor denúncia “os nexos entre o colonialismo e o fascismo, sem deixar de revelar o efeito boomerang do regresso na metrópole de formas de violência empregues pelo dominador contra os indígenas” (Pág:14). Enfim, em cada página rigor e erudição se unem em “Angola/Portugal: des identités coloniales équivoques. Historicité des représentations de soi et d’autrui” este ensaio de Arlindo Barbeitos que, pela sua pertinência e a actualidade, é uma importante contribuição à história de Angola.
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