domingo, 6 de setembro de 2009

Ágora (81) - Tempo do Frias/




Como é o tempo do fresquinho, e como muita gente está de férias, nada melhor que um tema aligeirado, aguardando calmamente que “atrás dos tempos vem tempos e outros tempos hão-de vir”, como canta o Fausto, um homem do Huambo.
Numa recente viagem a Benguela, e depois de comer no “Olho”(!!!), um lúgubre restaurante junto à praia de Porto Amboim, e subindo em direcção ao morro Cambiri, veio-me à lembrança, uma discussão acalorada com o meu amigo Tchaveka, sobre a eventual importância desta baia no decurso da 2ª Guerra Mundial.
Tchaveka argumentava, mais com o argumento do pulmão, que teria havido um acordo secreto entre Roosevelt e Salazar, para que Porto Amboim fosse local de acolhimento da 7ª Esquadra naval americana, pois era a única baia no Atlântico com capacidade para albergar tamanha força. Admito que seja verdade que tenha havido este acordo, mas foi tão secreto que até hoje nunca ouvi falar dele a não ser pelo Tchaveka, não colocando em causa a sua verosimilhança. Mas não foi tão secreto assim, porque o Tchaveka tem-no divulgado insistentemente.
Este “acordo” traz-me à lembrança as histórias do Engenheiro António Frias, jogador de futebol da Académica de Coimbra na década de 40, que acompanhei nas tertúlias coimbrãs nos anos 70. O Frias era uma figura imponente, um autêntico cilindro de 2m3 de volume, onde acumulava entre gordura e órgãos um peso de 125Kg, a exigir continuadamente alimento e bebida a uma voracidade invulgar, a qualquer hora do dia ou da noite!
O Frias, contava histórias perfeitamente inacreditáveis, do tipo de certa vez jogar ao Campo do Lima no Porto, contra o Académico do Porto, com um sol azul, sem uma nuvem; Às páginas tantas, vem uma nuvem, em perfeito estilo de Hitchcok, com muitas gaivotas à volta, e mesmo por cima do centro do campo cai uma chuvada que interrompe o jogo, já que a chuva era de peixes, desde tainhas, douradas, carapau, pescada, corvina, enfim um verdadeiro “arrastão”! Contradizer o Frias não era fácil, já que o argumento físico era de peso e o mau feitio era um aliado conhecido.
O Frias, porque era um teimoso recorrente, resolve deixar a engenharia electrotécnica e passa para a engenharia militar, e ei-lo mobilizado em Angola para a tropa colonial.
Uma vez falava-se de Angola, e o Frias diz-me: “Você não percebe nada de Angola, sabe que Angola é tão rica que as solas dos sapatos se gastam numa semana, e os pneus dos carros em menos tempo?” Eu fiquei surpreendido e disse-lhe que nunca me tinha acontecido nada disso, e o Frias aos berros a dizer que em Angola a massa asfáltica misturava-se com pedras dos rios, que eram diamantes, que eram muito duros e nada resistia nas estradas e ruas asfaltadas recentemente! “ E sabe que o Rio Zaire é tão caudaloso, que até quarenta metros no oceano a água é doce?” “Sabe onde é que eu em Angola estrelava os ovos? No capot do Jeep!” “Uma vez em Angola estava a jogar a bola num aquartelamento, e rematei com tanta força que matei uma pacaça que estava a beber numa charca perto!” “Em Angola passávamos de carro em picadas, e ficávamos cinco minutos sem ver nada, e com o corpo cheio de pó de talco, que nalguns casos era perfumado!” País muito rico mesmo, que não se podia beber água porque sabia a petróleo”.
O Engº Frias era impagável, e certa vez pediu-me para lhe levar gindungo, e assim fiz; Mal abriu o saco pegou numa mão cheia, e valentão como julgava ser, pôs na boca, e o rosto ruboresceu, sem conseguir abri-la, nem dizer palavra em dez minutos, com todo a gente a gozar, já que era uma oportunidade única de nos rirmos do Frias à sua frente.
Desculpem este devaneio, mas não me apetecia escrever sobre outra coisa qualquer!

Fernando Pereira
26/7/09

Pensar e Falar Angola