Viajando pela saída norte de Luanda atravessa-se o município de Cacuaco, zona de instalação preferencial de empresas, qual cintura industrial, e de misérias , qual cloaca habitacional. Até chegar às imediações da lagoa de Panguila, e da povoação, fazem-se uns tantos quilómetros numa espécie de estrada que há-de ser uma “via expresso”, mas que por enquanro, e desde há muito, vai sendo um esgoto de trânsitos mil em permanentes entupimentos, bordejada pelo cenário abarracado encharcado em imundícies, restos de todos os despejos onde os putos brincam e catam despojos, com mar ao fundo! Do mal afamado bairro da Boavista, ao não menos famoso Roque Santeiro, empinam-se nos morros a-ver-o-mar os casebres donde escorrem inomináveis lixeiras, ao dependuro, que as enxurradas da época das chuvas hão-de desabar, e o desespero há-de ser grande e maior há-de ser a capacidade de resistir. Nos entretantos sobram doenças e marginalidades, é zona perigosa, e o imenso musseque vai-se esparramando até onde a vista alcança, e milhares de almas, força de trabalho, se acantonam no desditoso belo território de Cacuaco, à beira mar plantado.
Nesta terra a mãe natureza esbanja mimos , adoça o clima e explode em meneios de beleza, tenho comigo que há-de ser, também há-de ser, para mitigar em afagos as mínguas que dos filhos não consegue tolher, só pode aliviar. Tanta grandeza há-de ser para lhes afagar as mentes e sossegar os corações. Só pode ser.
Cerca de trinta quilómetros e duas horas depois – no regresso uma hora haveria de ser um sucesso, viagem rápida, correu muito bem – passa-se o posto de controlo de fronteira – reminiscência do tempo de guerra, da era colonial? -, cada vez menos controlador e mais de proximidade policial, e entra-se na província do Bengo. O destino desta vez é a Barra do Dande, pequena, aparentemente, povoação pesqueira na foz do rio.
A estrada asfaltada com todos, sinalização, marcações, bermas e protecções, esgueira-se por entre a chana, savana de capim rasteiro a ondular ao vento num amarelo de seara madura, os garbosos embondeiros fazem-se aparecidos mas não se misturam com o mulherio, as palmeiras matebas lhes chamam, estatura meã, farfalhudas e empinocadas, que se vão espalhando em pequenos bandos até se organizarem nos palmares que se estendem à beira-mar. Pelo meio também saem a terreiro os penachos das araucárias, altas e vistosas, menos dadas a ajuntamentos que as moçoilas matebas.
Feita a ponte que atravessa o rio, a estrada segue rumo ao Ambriz, mas o destino era mesmo ali ao pé, a praia que emoldura a foz. O complexo turístico “Paradíseos”, talvez invocação de paradisíacos lugares, dispõe tendas e bangalôs, casitas de madeira cobertas de colmo, rentes ao palmar, e um simpático barzinho palafita repleto de rapazitos fardados a preceito que distribuem bebidas pelas mesas de baixo das palmeiras espalhadas no areal. É tempo de cacimbo, está frio para praias, só os pulas (os brancos) não se dão bem conta disso, porém a praia está quase deserta. Na caminhada à borda d’água, sempre vigiada pelas palmeiras a abanar na brisa, muito juntas e entrelaçadas de árvores outras que se lhes enroscam nas raizes e vão trepando outras folhagens, lavam-se os olhos na quietude da paisagem, são só paradíseos à nossa vista…. E do cimo duma das falésias os olhos vão-se esbugalhar de espanto, tal a grandeza, a imponência, o sem fim da beleza que se nos oferece. Então sentimo-nos grão de areia, coisa nenhuma, no regaço desta portentosa mãe natureza, onde a melodia do silêncio se faz ouvir. E onde um altaneiro embondeiro cruza e descruza os braços a mirar de cima o azul rematado de fitilho branco da baía que recebe o Onzo, o rio que ali se desagua. Duas araucárias amarram-se, vistosas, num pequeno patamar adiante na escarpa, as outras, as demais árvores ou arbustos, erguem-se acima do capim baixote em arranjos harmoniosos, e discretos para não ofuscar a pose do macho embondeiro.
Inversão de marcha para alcançar o poiso destinado para almoço, um agro-turismo algures nas redondezas. Encontrada a picada que vem à estrada, e após uns bons metros sacolejados à maneira, o restaurante-esplanada oferece-se erm jeito de miradouro, e que mirada!!! Uma vastidão , literalmente a perder de vista, pontilhada de arvoredos e esparsos povoados, aqui e ali pintalgada de traços e pontos azuis, em tamanho grande, que é como quem diz o rio a mostrar-se por entre nacos de verde e as lagoas a rebrilharem ao sol na campina africana. Também este, o Dande, se espraia em curvas voluptuosas, inesperadamente quase uterinas, e se solta em lagoas espaçosas onde flutuam umas também inesperadas ilhas, mais ilhotas de verdes e musgos, na aparência. Enquanto o almoço uma, bonitinha e bem redonda, mudou de sítio. Encostou-se à margem da lagoa.
Luanda, 30 Junho 2009
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