domingo, 26 de fevereiro de 2012

209 - Ágora - ABAIXO O QUINTO ANO!






"Vê que aqueles que devem à pobreza
Amor divino, e ao povo caridade,
Amam somente mandos e riqueza,
Simulando justiça e integridade;
Da feia tirania e de aspereza
Fazem direito e vã severidade;
Leis em favor do Rei se estabelecem,
As em favor do povo só perecem."

Luís de Camões ( Lusíadas, canto IX)

No meu quinto ano do Liceu, feito no vetusto Liceu Salvador Correia, que não era Sá e Benevides por razões que ainda hoje despercebo, tivemos que dar os Lusíadas do “semiótico” Camões.
Um “tijolo”, onde andávamos com um lápis a colocar traços nos versos e mais outros nas estrofes e mais outras coisas que nunca consegui perceber para quê.
Teoricamente devíamos dar os Lusíadas todos ao longo do quinto ano, mas a realidade é que andávamos a engonhar no primeiro canto, éramos mais lestos até ao quinto e tal e qual o Bob Beamon no México 1968 fazíamos um salto até ao décimo!
Durante muitos anos de Luis de Camões só gostei mesmo da sua “Lírica”, pela aversão com que ficara aos “Lusíadas”. A situação alterou-se e comecei a ler os “Lusíadas” e a encontrar sonoridades e mensagens diferentes de canto a canto. E o mais interessante é que adorei o canto IX, proscrito do programa do liceu no meu tempo, por razões perceptíveis se tivermos em conta o tempo e o modo.
Por falar no quinto ano colonial não seria interessante contar o bizarro episódio que marcou o quase final dos anos setenta, quando se tentava definir o que era num contexto revolucionário o perfil da pequena burguesia? O tempo foi passando e provavelmente a história vai ficar pouco verosímil, mas talvez contando-a permita que a verdadeira versão saia a terreiro.
No fervor da “Opção Socialista de Angola”, entre “emulações socialistas”, “movimentos de rectificação” e outras movimentações tendentes à criação do “homem novo”, uma das discussões candentes tinha a ver com a separação das classes, e tentava-se num arremedo de marxismo-leninismo fazer-se primeiro a albarda e depois procurar um macho a quem servisse.
A questão da inserção da pequena burguesia foi sempre um factor permanente de discussão no contexto da revolução, pois se por um lado ela aparecia como aliada natural dos operários e camponeses, por isso vitoriosa, por outro lado era contestada porque a sua ambição era objectivamente ascender à média burguesia assumindo os seus valores, contrários aos da revolução.
Encurtando, Kota Neto, ao tempo Comissário provincial de Malange, perante uma grande plateia, definiu que “a pequena burguesia, tinha o 5º ano colonial, usava fato e gravata, queria manter os privilégios do colonialismo” e por aí fora. Rapidamente ecoou um sonoro e repetido “Abaixo o 5ºano”, que empolgou as massas presentes no evento e foi o mote central da reunião
Quinze dias depois Kundi Pahiama, vai a Malange e impecavelmente vestido de fato e gravata, aos mesmos militantes, e depois de várias considerações sobre o tema diz: “ Tenho o 5º ano colonial, uso fato e gravata, sou da pequena burguesia?” Em uníssono todos disseram “Não” e logo o speaker de serviço repetiu a palavra de ordem repetida em uníssono por toda a assistência: “ Acima o 5ºano”. Em 15 dias reabilitou-se o 5º ano colonial!
Reitero que não sei se esta história é exactamente assim, se não for só peço desculpa aos presentes e ausentes.
Para um 2012 que espero cheio de prosperidades e quiçá propriedades, uma reflexão do poeta de um tempo em que não havia lusofonia: Alexandre O’Neill. Uma coisa em forma de assim: «Os idiotas, de modo geral, não fazem um mal por aí além, mas, se detêm poder e chegam a ser felizes em demasia podem tornar-se perigosos. É que um idiota, ainda por cima feliz, ainda por cima com poder, é, quase sempre, um perigo. Oremos. Oremos para que o idiota só muito raramente se sinta feliz. Também, coitado, há-de ter, volta e meia, que sentir-se qualquer coisa.»

Fernando Pereira
1/1/2012




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